quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Fora, imigrantes



A crise econômica na Europa vitimou os partidos de centro-esquerda na Espanha e em Portugal em menos de um mês. Na França, governada há quase quatro anos por um presidente conservador, o destino parecia ser diferente até que o favorito na disputa, Dominique Strauss-Kahn, se envolveu num escândalo sexual e abandonou a corrida antes mesmo de seu início.
Foi a deixa para que a candidatura de Marine Le Pen, da Frente Nacional, ganhasse corpo em cima de um discurso afinado com as mais conservadoras disposições genéticas. Marine, de 42 anos, é filha de Jean-Marie Le Pen, folclórico e eterno candidato ultradireitista da França que, a cada ano eleitoral, dá voz à clássica verborragia de quem vê na imigração o centro de todos os males de um só país.
Desta vez, é Marine quem foi escalada para a disputa. Em sua estreia, assumiu um discurso que faria orgulho ao progenitor: não podemos mais “importar desempregados” (leia-se imigrantes); os países árabes começaram a revolução, e agora que os acolham; o projeto europeu terminou; não podemos bancar a crise dos países vizinhos: eles que abandonem o euro; acordos de livre-comércio com a América do Sul matariam a agricultura na França.
No rescaldo da crise financeira mundial, que parece ter despertado os instintos mais primitivos dos eleitores mais vulneráveis ao discurso do medo, a candidata virou sensação – e já ameaça fazer estrago na campanha presidencial. Para isso, no entanto, terá que provar que o discurso beirando o racismo e a anti-globalização tem algum pé na realidade.
De acordo com duas sociólogas ouvidas por CartaCapital, o discurso de Le Pen possuem uma aparência lógica, mas é construído com base em manipulação dos fatos reais. A socióloga Marijane Lisboa, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-SP, lembra, por exemplo, que o fluxo imigratório em direção à França não é hoje maior do que tempos atrás. A construção do discurso de Len Pen, no entanto, tem o objetivo político de amplificar a sensação de insegurança dos eleitores. “É muito mais cômodo culpar o outro do que assumir alguma responsabilidade em relação à situação que estão passando”, avalia. “Quando as situações vão mal do ponto de vista econômico, a sociedade costuma por culpa nos inocentes”, diz.
Na mesma linha, a também socióloga Dulce Baptista diz acreditar que, mais uma vez, os imigrantes estão sendo usados como bodes expiatórios pela direita francesa. Com isso, fica ofuscada o verdadeiro contexto histórico, no qual, quando têm interesse, os países europeus abrem suas fronteiras para receber mão de obra barata mas, a partir do momento em que os custos gerados por essa população aumentam e os benefícios diminuem, passam a tomar medidas para conter a imigração.
As duas especialistas destacam que a União Européia é, muitas vezes, a responsável pelo grande número de refugiados existentes no continente. “Quem é que está bombardeando a Líbia?”, questiona Dulce, referindo-se aos ataques da Otan ao país do ditador Muammar Gaddafi. “O discurso é livrar um país de um ditador. Então tem que abrigar os refugiados,” afirma.
A própria ONU, através da Agência para Refugiados (ACNUR), recomenda que a comunidade internacional, com destaque para vizinhos e União Européia, ofereça abrigo para refugiados líbios.
Marijane Lisboa lembra também que Gaddafi tinha relações com os governos de Berlusconi e Sarkozy antes da guerra atual. Segundo ela, fazia parte do acordo com o ditador que ele mantivesse refugiados em seu país e que, depois do início dos ataques, como parte da retaliação, o líder líbio tem deixado os fugitivos escaparem para a Itália.
“A Europa é um continente de colonizadores”, lembra Dulce Baptista, lembrado que desde o século XVI os países europeus dominaram, invadiram e se apropriaram de recursos de outros povos. Marijane Lisboa destaca que esse processo é decisivo para entender os fluxos migratórios que ocorrem hoje, sobretudo em relação à imigração africana. “A conquista da Argélia foi uma das mais violentas que se tem na historia”, lembra Lisboa.
As especialistas lembram que, além de interromper o processo de desenvolvimento desses países e de retirar todas suas riquezas, durante a colonização os europeus incutiram a ideia de que todos eles (colonizadores e colonizados) pertenciam à mesma cultura. Por mais que se tratasse de um discurso demagógico, as colônias falavam a mesma língua que as metrópoles. Ao deixarem seus países de origem, destruídos economicamente pela própria ação da globalização, essas pessoas optaram naturalmente por locais ricos, com mais oportunidades e que possuíam a mesma língua e cultura.
“A história os uniu economicamente, culturalmente e politicamente”, afirma Lisboa
Fonte: Carta Capital

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